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A Educação Infantil em tempos de isolamento social

por Ana Teresa Gavião Almeida Marques Mariotti

A infância reflete uma história, uma cultura, um determinado momento; momento esse que, em constante transformação, interpreta-a e ressignifica-a. Assim, embora as crianças tenham existido desde sempre, a infância não é produto da natureza, mas uma permanente construção dos tempos modernos (SILVA, 2006).


As efetivas mudanças econômicas, sociais, políticas que ocorreram nos últimos tempos – a participação da mulher no mercado de trabalho, a intensificação da urbanização, os movimentos sociais pelos direitos, os avanços das pesquisas da neurociência – trouxeram à infância novos significados.


Hoje, a infância, para além de objeto dos cuidados maternos-familiares, possui direitos, é um dever público do Estado e da sociedade juntamente com a família.


Portanto, a criança sujeito de direitos, reproduz cultura mas também a produz; é um ser social, comunicativo, curioso para conhecer e investigar o que há ao seu redor.


Como afirma Loris Malaguzzi (1999):


“A criança é feita de cem
A criança tem cem mãos
Cem pensamentos
Cem modos de pensar, de jogar e de falar.
Cem sempre cem
Modos de escutar as maravilhas de amar.
Cem alegrias para cantar e compreender.
Cem mundos para descobrir.
Cem mundos para inventar.”


Como estão as crianças – comunicativas e potencialmente inteligentes – nesses tempos de isolamento social?


A partir do Decreto Nº 64.862, de 13 de março de 2020, as escolas de educação infantil, em função da pandemia do COVID – 19 e das orientações da Organização Mundial da Saúde, tiveram suas aulas suspensas.


O Conselho Estadual de Educação na Deliberação CEE 177/2020, de 18 de março de 2020, fixou normas sobre reorganização dos calendários e propostas educacionais. Especificamente sobre a Educação Infantil, no Art.2o , inciso VI normatizou:


Art.2o – As premissas para a reorganização dos calendários escolares:


VI - respeitar as especificidades, possibilidades e necessidades dos bebês e das crianças da Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, em seus processos de desenvolvimento e aprendizagem;
VII – utilizar um eventual período de atividades de reposição para:
a) atividades/reuniões com profissionais e com as famílias/ responsáveis;
b) atendimento aos bebês e às crianças, com vivências e experiências que garantam os direitos de aprendizagem e desenvolvimento previstos no currículo.

A Base Nacional Curricular Comum propõe como direitos de aprendizagem e desenvolvimento o conviver, o brincar, o participar, o explorar, o expressar, o conhecer-se:


“(...) os seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento asseguram, na Educação Infantil, as condições para que as crianças aprendam em situações nas quais possam desempenhar um papel ativo em ambientes que as convidem a vivenciar desafios e a sentirem-se provocadas a resolvê-los, nos quais possam construir significados sobre si, os outros e o mundo social e natural.” (BNCC, p.36)


Como organizar um ambiente desafiador e investigativo para os bebês e as crianças pequenas? Como garantir o direito de conviver e participar ativamente de propostas que ampliem o conhecimento de si e do mundo nos tempos de isolamento social? Como expressar de forma criativa e sensível para seus pares nesse período?


É evidente que essas (e outras) questões importantes são direcionadas para as escolas, para a intencionalidade educativa clara que cada unidade – creche e pré-escola – precisa ter e garantir ao longo do cotidiano escolar.


Nesse período de isolamento social muitas creches e pré-escolas têm enviado aos familiares propostas para as crianças pequenas.


Nessa perspectiva, é importante abordar dois pontos: será que essas propostas consideram a criança curiosa, ativa, comunicativa? O que significa contar com as famílias nesse momento?


Em reunião virtual de formação com os Professores da instituição onde trabalho , refletimos sobre o que significam as atividades semi-presenciais? Como as crianças e as famílias as recebem? Discutimos que nesses dias iniciais de permanência em casa, as propostas enviadas tinham como intenção primeira estabelecer um possível diálogo entre a escola e a criança; para que ficasse explicita a ideia de que a instituição ‘pensa’ na criança e, de alguma forma, está com ela também em casa. Nesse sentido, para os bebês e as crianças pequenas é interessante mandar às famílias um áudio curto ou vídeo dos professores, perguntando como está o grupo e rememorando algum episódio especial da escola ocorrido no início desse ano. Outro ponto importante refere-se a proposta de potencializar o ambiente da casa (por menor que seja), por exemplo, convidar as crianças de 4 e 5 anos, desenharem um cômodo ou contar quantos passos têm esse local. Ou, por exemplo, escolher um objeto que mais gosta da casa e inventar uma história com algum familiar. Com os bebês pode observar com eles, as entradas de luz e brincar com as sombras; ou ouvindo música fazer gestos e movimentos com o corpo.


Assim, contar com as famílias, nesses tempos de isolamento social, não significa que elas precisam realizar todas as atividades enviadas e têm acesso à elas; mas que elas saibam que possam contar com a escola para um apoio telefônico, para uma possível orientação, para ideia de brincadeira, para uma retirada de livros de literatura infantil.


As pesquisas na Educação Infantil e em especial em Reggio Emilia, cidade conhecida mundialmente por sua política pública de creches e pré-escolas, discute que a parceria família-escola baseia-se na corresponsabilidade (corresponsabilità); no acolhimento (accoglienza) que não se resume à gentileza, mas a uma prática de relação e comunicação; no pertencimento (appartinenza) no sentido de tornar-se parte, compartilhar ações (SILVA, 2011).


Nesse momento delicado para todos, podemos aprimorar a parceria família-escola acolhendo as sensações e sentimentos dos familiares, propondo ações com as crianças que os pais ou responsáveis sintam-se convidados a realizar e possivelmente a criar outras, reforçar a ideia de que escola e família estão juntos na corresponsabilidade do desenvolvimento integral das crianças.


Não se sabe quando vai acabar esse período, estamos vivendo as incertezas da vida, mas talvez seja um momento, como declarou Maddalena Tedeschi - pesquisadora e pedagoga em entrevista a um jornal da Itália , para “redescobrir a vida cotidiana”:


“Use esse tempo inesperado cuidando de gestos e situações cotidianas. Este é o momento certo para preparar com calma o café da manhã, almoço, jantar, por exemplo. Ou para cuidar dos espaços e depois ficar neles. As crianças geralmente são arrastadas para o tempo cada vez mais rápido dos adultos, aproveitamos esse período para desacelerar. A emergência do Coronavírus está violando nossas maiores liberdades, como mudar ou encontrar com os outros, mas pode nos fazer recuperar uma liberdade interior que é igualmente importante. Mesmo para crianças. Vamos aprender, ou recomeçar, a viver o cotidiano.” (TEDESCHI, 2020).


O que é viver o cotidiano com os bebês e as crianças pequenas? O que podemos aprender com as crianças nesse dia-dia? Como elas nos comunicam? Como elas nos desafiam? O que descobrem em casa?


Essas podem ser informações preciosas das famílias para as escolas no retorno às aulas de Educação Infantil...



Ana Teresa Gavião Almeida Marques Mariotti. Diretora de Formação da Fundação Antonio-Antonieta Cintra Gordinho – FAACG, Membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, Cursando “Recognition Processo for Teacher Educators on the Reggio Emilia Approach – Itália.